quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Letícia Zanini

Achei essa carta, e achei pertinente responde-lá. Faz tanto tempo e ao mesmo tempo parece que foi ontem que senti tudo isso. Minha inocência me deixou com um riso frouxo no rosto ao lê-lá. Fiquei feliz por ver que evolui, aquela menina da carta muda tanto. Hoje quase não a reconheço, exceto pela minha personalidade que nasceu e irá permanecer comigo. Mas nossas vidas, nossos devaneios e momentos mudam e assim mudamos nossa vivência perante os imutáveis segundos da vida. Apesar de muitas escolas de filosofia defendendo a ideia de que tudo na vida é cíclico e irá retornar ao seu ponto inicial discordo de algum modo. As coisas podem retornar, mas nunca retornar da mesma maneira. A cada giro, nos modificando e assim quando retornamos a mesma situação, levamos conosco nossa personalidade, nossa herança de vida, mas essa contém algumas coisas a mais na mala.
E é com essa mala, um pouco mais pesada que retorno. O que me motivou a escrever para você Doutor, é o mesmo motivo que me motivou há três anos atrás. Agora você irá se perguntar, a filosofia não tinha então razão? Exato! Volto ao mesmo ponto que anos atrás, mas agora casada, com uma atitude e uma coragem que aquela de anos atrás não tinha em sua bagagem. Meus escritores favoritos não são mais os nacionais, fui para a inquietude dos existencialistas, me encontrando no imagismo de James Joyce. James Joyce defendia o uso da linguagem coloquial, a criação de novos ritmos sonoros ultrapassando a métrica, liberdade na escolha do assunto, verso livre, poesia clara e apresentação de imagens, procurando traduzir detalhes com precisão. Aqui encontra-se, talvez uma bagagem nova em minha mala, a liberdade na criação. Passei a usar todos os meus sentimentos em minha poesia, sem julgá-los ou rotula-lós. Assim, como de uma machucado vem a excreção, das minhas dores veio a poesia. Zanini, me trouxe um arco-íris, talvez o arco-íris mais sépia há de existir. Mas esse chama atenção não pelas cores e sim porque depois de uma tempestade, veio o dia seguinte, depois do dia seguinte as lembranças viraram saudades e a saudade água. água onde escoa e atingi todos os lugares, ao mesmo tempo sendo adaptável, tendo como aliada o tempo.
Depois de você, tantas coisas aconteceram, você me fortaleceu tanto. Amei você, como nunca amei ninguém e assim passei a te odiá-lo como nunca odiei ninguém. O que seria das minhas palavras hoje sem a cavidade, na qual você atingiu o meu coração? O que seria de um criador sem a sua obra? Não teria obra, sem o seu criador.

Você criou em mim tantos medos,
Tantas aflições,
calafrios, coração pular a tal ponto de eu tentar encontrar geneticamente como eu isso poderia existir.
Sou católica, embora agora mais protestante devido as leituras e meu gosto por filosofia
Mas tenho uma fé, que existe por si só,
Você tremeu a parede da devoção a meus princípios.
Colocou minha ética na janela,
Meu racional massacrou-se e não consegue chegar aos ouvidos do meu coração,
Pelas batidas altas e aceleradas.
My rainbow,
passou.
E não passou?
Hoje eu abdico minha vontade de ter você, pelo meu capricho de tê-lo em meus sonhos apenas,
Mas você vem, e surge
sempre surge,


Desculpa Doutor, estou confusa com a ordem dos meus pensamentos e dos fatos. O fato concreto é que: fiquei três anos sem ele fisicamente em minha vida. Dois anos sem ele em meus pensamentos. E há três anos ele em minhas escritas. Conforme ele foi partindo dos meus pensamentos, ele aparecia quase personificado em minhas palavras. A lembrança e a memória colocaram-o como uma lembrança, das mais importantes que tive na vida. Ele me acendeu a atitude de mostrar ao mundo o mundo interno de Letícia, pelas minhas palavras. Voltando a realidade, meu estágio acabou. Meus pais vieram morar em São Paulo, meu pai deixou a colheita de morango que tínhamos na cidade e veio morar mais próximo a mim com minha mãe. Meu pai, homem muito ativo, criou um mini-mercado no bairro, a princípio alugou um apartamento com minha mãe. Antes da crise econômica as pessoas estavam sedentas por comida, então com a breve ascensão do mercado do meu pai, eles logo compraram o apartamento, não muito grande mas bem localizado. Minha mãe sente muita falta ainda de Monte Sião, vai sempre aos finais de semana para lá, porém sente-se contente em estar mais ao meu lado. Na primeira carta Doutor, eu não expus minha relação com minha família, mencionei que era de origem humilde e que tive uma educação católica, porém vale essa vez ressaltar que sou signo Virgem com Ascendente Câncer e Lua Aquário. O câncer diz o que sou, uma mulher que nasci para ter família. Talvez é sempre o que eu procuro em minhas poesias, encontra-lá. Não que eu não tenha uma família, pelo contrário, mas quero ter a minha. Procuro em minhas poesias o Amor, o que tanto me intimidou durante minha infância e minha adolescência (apesar de ser bem próximas a meus pais, nunca sentei no colo do meu pai ou fiquei no colo de minha mãe. "sua benção" era usado para expressar os meus sentimentos). O amor que senti por um homem e que nele reconheci-me como uma sedenta por amor. O amor...
Bom, depois que sai do escritório como estagiária, consegui no sarau que eu expus um curador que gostou dos meus poemas e se ofereceu para ajudar a lança-los. Foi assim que consegui tirar um pouco a dor da frustração do meu primeiro contato com o amor, lançando minhas poesias, a princípio foi em poucas páginas do livro de uma professora relevante de literatura. Minhas poesias conseguiram ganhar vida própria me proporcionando realização pessoal, mostram-me que eu sou capaz. Zanini passou a ser somente um personagem dos meus poemas, e quando conheci Eduardo, as coisas ficaram tão mais claras. Experimentei a sensação de ser amada, de ter um homem me tratando como uma Dama. Foi em uma livraria, onde eu sempre ia e ele também, que nos conhecemos. um dia sentada lendo, ele sentou-se ao meu lado e me perguntou o que estava achando do livro, lembro que era uma leitura trivial e que estava apenas matando o tempo até chegar um dos gerentes da livraria. Fiz uma breve explicação do livro, mas o suficiente para ele comprar e me pedir o telefone para dizer o que tinha achado depois de finalizar a leitura do livro. Achei abusivo e claro, não passei o telefone. Naquele dia mesmo, quando cheguei a noite, tinha um e-mail na minha caixa de mensagem de um certo Eduardo Rigatto. Logo ele me explicou que me viu falando com o gerente da livraria, o qual também conhecia, tinha pedido o meu telefone com a desculpa que gostaria de me chamar para uma matéria, ele é jornalista, e o gerente muito educado apenas passou o e-mail. No e-mail logo me surpreendi, ele escreveu coisas a meu respeito que nem mesmos as pessoas que me conhecem a tanto tempo, minha família e talvez dois amigos da faculdade, pudesse escrever. Ele em cinco minutos leu a minha alma, naquela livraria tão ocupada pelo vai-vem de shopping. Logo me apaixonei pela forma de sua escrita, ele tinha em sua ortografia e sua extensão de vocabulário uma poesia até então desconhecida à mim. O tempo que passei com ele foi um dos mais felizes da minha vida, a felicidade com ele era constante. Eu sabia que o tinha, e ele passou a me ter. Logo, conhecemos a família um do outro, ele me ajudou profissionalmente conseguindo expor meus poemas, pela sua influência como jornalista, em colunas diárias em diferentes jornais. Passei a viver como Poetisa e com um relacionamento promissor com um Jornalista que parecia ter saído de conto de fadas e vindo em direção a mim, com uma cavalo branco. Parei com os remédios, meu perfeccionismo passou a diminuir ao visto que ele era pior do que a futura esposa. Sempre tive o rosto de muito menina, minha mãe também possui face jovial, mas desde os dez anos já possuo coração de uma mulher dama de meia idade talvez, mas com o brilho e a suavidade de uma jovem, para alguns até adolescente. É como uma capa de um livro antigo, a capa é lisa e possui cheiro de livro novo, mas o livro já está na sua décima edição e é de 1908, é assim que me vejo. Edu logo identificou isso e fazia questão de falar quanto era bom ter uma menina tão mulher comigo, ou uma mulher tão menina. Edu é mais velho, tem trinta e três anos e um dia me leva para conhecer as montanhas do Chile e naquela vista maravilhosa me pede para ser a mãe dos filhos dele. Choro de emoção, vivo em um sonho, agradeço a deus por tudo. E volto para o Brasil noiva, e feliz como nunca. Mas a vida é ciclo e me esqueço e tropeço, quando me levanto vejo Ele, meu coração dispara mas meu corpo acostumou-se com a dor. Já me sinto forte, a olha-ló e encara-ló. Estou com um homem que me ama e que amo, tenho liberdade para meus trabalhos literários, e uma futura família tal como em meu sonho.
Pergunto Doutor por que o coração não consegue obedecer a quantidade de roupas que levamos em nossa mala?