segunda-feira, 8 de abril de 2019

Meu submundo

Cresci sendo peculiar, nunca me encaixei nos moldes da sociedade. Desde que nasci começando por ter um nome onde ninguém na escola sabia ao menos pronunciar; o meu nome seria um presságio do que minha pessoa se tornaria. Uma estranheza tão incomoda que deixei de incomodar as pessoas ao passar despercebida. Eles se acostumaram com meu jeito de ser, então minha saveword para quando alguém me questionava por ser assim, era minha mãe dizendo "Deixa! Ela é assim". Deixa eu sou assim. E por tanto ao acreditar que sou assim, não quis me encaixar em outros moldes ou tentar me entender. Aos dez anos comecei a me interessar pelas músicas clássicas que minha vó tocava no piano e tocando minha alma, a música se comunicava comigo. Eu achava que a minha vó era o instrumento dessa viagem transcendental. Com treze anos minha vó morre e assim descubro que ela não era. Ela não era esse instrumento. Eu achava que a minha vó era a pessoa que eu mais amava na vida até ela falecer. Não chorei no dia do velório, não senti falta, não senti nada e a única coisa que eu pensava era "preciso encontrar um jeito de escutar o som do piano outra vez". Foi assim que meu mundo teve contato com outro mundo: a internet. A música me levou ao meu submundo onde onde hoje eu vivo.
Nasci em uma família convencional; pais de classe média. Meus pais se separaram quando eu tinha quinze anos. Agora é aquela parte que você pensa "Deve ser aí que veio esse distúrbio sexual; adolescente com pais separados". Não. Nunca tive nenhum problema com a separação dos meus pais. Não sinto a falta dele, pois ele manda mensalmente o dinheiro que minha mãe precisa. Tenho uma irmã, que é oito anos mais nova do que eu. Tínhamos uma ótima relação na infância, ela no canto dela brincando de boneca ou com amigas e eu no quarto com meu fone de ouvido e jogando The Sims. Um dia comecei a brincar que meus The Sims tinham mais de uma esposa, ou que namoravam entre irmãos, ou que namoravam entre mulheres e homens e aí me vi realmente me divertindo. Aquela família Baunilha me entediava. Gostava da não-regra do meu submundo. E o submundo da internet é tão mais real do que a dos adolescentes ou jovens que eram da minha escola. Não tive paciência para ser criança, passei minha infância com minha vó escutando ela falar dos problemas dos adultos e assim obviamente não ia ter paciência para ser adolescente.
Quando minha irmã entrou na adolescência tudo mudou. Ela é daqueles jovens que eu evitava na escola, jovens a flor da pele que passam horas falando de sexo ou beijo na boca, ou maconha. Ela é aquelas meninas da minha escola que eu evitava até cruzar os olhos e agora está na minha casa no meu teto e me chama de 10 e em 10 minutos. Eu amo a minha irmã. Eu odeio essa menina.
Minha mãe é daquelas mães que foi trocada por mulher mais nova na separação e que baixou tudo que é aplicativo e programas de relacionamento para tentar alguém que ame ela de novo e de verdade. Vai para a academia e é viciada nos negócios, em si e em tudo que todo mundo posta no facebook. Poderia sentir raiva dela, mais a pena é tanta que a dó não deixa ter outro espaço. Ela quase nunca me dá atenção mas para mim está ótimo, porque não gosto de atenção, se gostasse meu nome se chamaria Lara e não Sâmia.
Aos 25 anos estou completamente envolvida nisso, ando vendo vídeos e estudando tudo. Achei quem sabe um porque da vida no qual eu me sinta do mesmo jeito de quando minha vó tocava aquele piano. Me sinto tocando o não dito, o transcendental, o mundo abaixo do mundo; o submundo. E nasce em mim uma vontade de estar mais viva do que nunca. Você deve estar perguntando como cheguei até você? Depois que terminei a escola, meu pai, o cara que comparece quando precisamos de bastante dinheiro, pagou para mim um intercâmbio no Canadá. Canadá foi ótimo porque era tão frio que as pessoas não precisavam ter vida social o que fez com que eu ficasse dois anos lá, fazendo faculdade de businnes (o porque também não sei, talvez por ter números que são mais fáceis de lidar do que as pessoas, que são humanas). Quando voltei para o Brasil, a nostalgia do meu quarto me levou a baixar novamente The Sims. A versão mais nova do The Sims era ousada, e eu gostei. Tinha um vampiro que visitava minha The Sims e assim eles transavam, enquanto aparecia os bonequinhos em cima um do outro, minha boneca ia morrendo por conta do sangue sendo sugado pelo vampiro. Me viciei nessa imagem e isso se tornou uma prática, colocava minha boneca para dormir para receber o vampiro para ele beber meu sangue. O sangue me deixava excitada. Sangue me deixa excitada. Demorei para entender até colocar na internet e chegar até vários de mim espalhado pelo mundo, espalhados pela minha cidade, espalhados pelo meu bairro. Nunca tive uma relação física, pois meu submundo interno não me deixava estar entre eles; Baunilha. Quando eu li o significado dessa palavra, nunca fez tanto sentido para mim. É como se eu procurasse uma palavra durante a minha vida toda, uma palavra para definir o que eu não era, o que eu não queria e o que eu jamais seria.
Maia, escrevo aqui para depois do nosso encontro você poder me ler. Sou péssima com palavras ditas, e melhor com escrita. Hoje não sei o que irei viver e por não saber, isso me excita. Me sinto perdida e assim me sinto viva. Me mate me acordando para a vida.

Sâmia

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